A saúde das mulheres ainda no século XXI não é isenta da negligência de muitos profissionais. Nesse processo, muitas vezes o Estado corrobora para a precarização ou não qualidade aos serviços que atendem às mulheres. Seja quando essas mulheres são negras a negligência se associa ainda com um fator estrutural que é o racismo, ora pela negação do atendimento, ora pela precarização da assistência, a não oferta de serviços ou a falta de estruturação das redes que atendem as demandas em saúde da mulher.
Pensando nisso, é possível evidenciar diversas falhas na assistência à saúde da mulher, tais como as dificuldades na assistência ao pré-natal, a falta de assistência em casos de abortamento e a carência da assistência ginecológica, puerpéria e obstétrica impactam de forma negativa a vida das nossas adolescentes, jovens e mulheres, e ao pensar num estado onde maioria de sua população é negra, logo conseguimos imaginar o quanto esse assunto é negligenciado por se tratarem de mulheres negras, e no passo que nós falamos da saúde da população negra a gestação é tida como um dos temas principais.. Problemas estruturais, na formação dos profissionais de saúde, no planejamento de políticas públicas voltadas para estes grupos e na gestão desencadearam uma crise na assistência obstétrica do Estado da Bahia que veio desarticulando a rede e colocando vários nós alternando assim o fluxo, a regulação, a qualidade e a assistência.
Nos dias 15 de fevereiro e 21 de março foram realizadas reuniões com o MPE (Ministério Público do Estado) e representantes da SESAB (Secretária de Saúde da Bahia) e das maternidades de Salvador e de alguns municípios da Bahia para discutir a situação e pensar formas de enfrentamento do problema. Na primeira reunião a discussão girou em torno da situação nas Maternidades José Maria de Magalhães Neto (JMMN) e Climério de Oliveira, ambas em situação de superlotação e baixa rotatividade dos leitos. Na mesma reunião, houve também uma discussão sobre os leitos nas maternidades do interior. Como solução, a SESAB apresentou uma política de metas para as unidades que fizerem mais que 50 partos/mês, os partos a partir do 51º seriam pagos em dobro.
Na segunda reunião, houve uma ampla discussão em relação à superlotação das maternidades de Salvador, foram apresentados como fatores do problema: o deslocamento das gestantes de outras cidades e a alocação para a realização do parto em Salvador, bem como a preferência da gestante em realizar o parto numa maternidade que não pertence ao distrito sanitário da família a qual possivelmente tenha vínculo aqui na cidade, o compartilhamento dos leitos tanto para casos de obstetrícia quanto para casos ginecológicos, nas situações de emergência e nos partos de alto risco. Além disso, o representante da maternidade do Hospital Sagrada Família colocou que a quantia repassada pelo Governo (federal ou estadual?) para manutenção dos leitos do SUS é insuficiente sendo os partos realizados através dos planos de saúde que sustentam a parte financeira do local. Como solução, o representante apresentou o Mapa de Vinculação da Gestante.
O Mapa de Vinculação da Gestante, basicamente, estabelece as maternidades referência para realização de partos de risco habitual para cada distrito sanitário, as maternidades referência para realização de partos de alto risco, além disso, exige mais integração com a CER (Central de Regulação) para a “realocação das gestantes que procuraram atendimento fora do seu distrito sanitário”. Os presentes na reunião do dia 21/03 concordaram que tal solução colaboraria para uma “superlotação compartilhada”, além disso, foi levantada a necessidade de uma frota de ambulâncias apenas para atender as demandas obstétricas. Foi colocado em pauta também, a necessidade de pensar a assistência aos casos de abortamento, mas nada foi discutido em relação a isto. Assim como, não foram discutidas a assistência à puerpéria e ao pré-natal.
Enquanto Diretório Central dos Estudantes e Fórum Acadêmico de Saúde, ao pensar na concepção ampla de saúde e seus determinantes, acreditamos que resolver apenas a situação dos leitos através de abordagens tecnicistas é insuficiente para suprir as demandas obstétricas no Estado. É necessário repensar a formação dos profissionais de saúde, que se dá de maneira engessada no modelo tecnicista, centrada na doença e, muitas vezes, carece de discussões em torno do indivíduo e do cuidado. Além de limitar-se apenas ao estudo de um único tipo de assistência obstétrica, sem considerar os saberes populares e as diversas formas de atenção. Nesse contexto, refletir como as estratégias da Saúde da Família e, mais especificamente, da Rede Cegonha durante a formação são potenciais instrumentos para assegurar que os futuros profissionais que trabalharão no SUS sejam capazes de garantir a assistência integral à mulher, à gestante, à puerpéria e à criança.
Tais reflexões também são válidas para os profissionais atuantes no SUS. E, ao falar em saúde da mulher, uma pauta que não pode faltar é a questão do aborto. A criminalização do mesmo implica na morte de muitas mulheres todos os anos devido à complicações de um aborto inseguro, seja devido ao próprio procedimento ou à falta de assistência às mulheres que apresentam complicações após o procedimento. Além disso, apontamos a Atenção Básica como uma das principais tecnologias para desfazer determinados nós no sistema e promover uma assistência acompanhada, centrada na referência e na contra-referência dessa gestante para regular o fluxo e organizar a alocação das mesmas.
Reiteramos que, ao discutir a atual conjuntura da assistência obstétrica no nosso Estado, não podemos esquecer de chamar a atenção dos profissionais e estudantes de saúde, bem como dos usuários do sistema de saúde para refletir sobre a saúde da mulher de forma integral, as diversas formas de cuidado – especialmente aquelas que possuem raízes no saber popular – e o aborto que de forma criminalizadora tem sido colocado á margem das pautas de saúde. Precisamos falar sobre o aborto e nós entendemos que é na transformação da formação que pode existir a ressignificação desse cuidado.
Nesse sentido, afim de debater e dialogar sobre a Crise na Assistência Obstétrica na Bahia, o Diretório Central dos estudantes e o Fórum Acadêmico de Saúde realizará nos dias 26 e 27 de Abril o Ciclo de Debates sobre a Saúde. O principal objetivo é colocar na roda todas as problemáticas envolvidas em relação a esse cenário, aproveitando desse espaço também enquanto espaço de formação e de construção coletiva, contaremos com algumas participações para complementar nosso debate!
Convidamos você a estar conosco fomentando esse espaço e ao trazer mais uma colaboração. Precisamos realmente discutir e olhar essa crise de várias nuances que nos permita ver para além de futuras(os) profissionais de saúde, observando a vida das mulheres com empatia e solidariedade.
PROGRAMAÇÃO:
Dia 26:
17h – Credenciamento
18h – Mesa de abertura: “Assistência Obstétrica na Bahia: Desafios e Perspectivas”
Dia 27:
8h – Credenciamento
9h – Mesa-redonda: “Ressignificar o parto, transformar o cuidado”
14h – Mesa-redonda: “Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres: Aborto, Maternidade e o Papel do Estado”